Uma vovó que começou a operar na Bolsa aos 92 anos deixou a moçada da Faria Lima no chinelo.

Sem nunca ter comprado uma ação, Mituco Haga foi direto pro day trade. Em pouco mais de um ano – entre 2012 e 2013 – realizou 452 operações do tipo, com ganhos em 311 delas, uma taxa de sucesso de quase 70%.

Ao todo, a vovó movimentou R$ 113 milhões e botou no bolso R$ 450 mil.

Além de agressiva, a anciã não se deixava intimidar pelas novas tecnologias: operava pela XP ou pelo Itaú, tanto pelo homebroker quanto pelo aplicativo no celular.

Podia ser uma história de superação – mas é caso de polícia.

No caso, a polícia do mercado: a CVM.

Mituco é avó de Luiz Mori, que trabalhava na corretora do Credit Suisse de Nova York na época das transações, e, segundo investigação conduzida pela autarquia, usava a doce senhora como laranja para operar com informações privilegiadas.

O caso foi revelado pela repórter Mariana Durão, do Estadão.

A CVM acusa Mori de uma prática conhecida no mercado como ‘front running’ (algo como, ‘sair na frente’): quando recebia ordens de um algum grande cliente na sua mesa de operações, Mori colocava ordens na outra ponta, em nome da vovó. O mercado se movimentava a seu favor devido ao volume das ordens, e ele fechava o dia no lucro.

A vovó-trader – ou, no caso, o neto-insider – operava com ‘small caps’, ações que, por sua menor liquidez, oscilam mais bruscamente com grandes ordens de compra e de venda.

O esquema foi descoberto pela área de supervisão de mercado da Bovespa, que estranhou o sucesso e a frequência dos negócios da nonagenária, e comunicou ao xerife de mercado.

Ao cruzar as informações, a CVM encontrou várias indícios de esquema. Para começar, os IPs dos dispositivos usados pela vovó vinham dos Estados Unidos e não do Brasil, onde ela residia.

Para completar, a vovó dava presentes bem generosos (em vez de apenas meias). Há várias transferências da conta de Mituco para a do neto, além do pagamento de faturas de cartão de crédito e operações de câmbio no nome dele.

A CVM abriu um processo contra Mori e Bruno Guisard – que trabalhava na mesa do Deutsche, morava no mesmo prédio de Mori e, diz a acusação, o abastecia com informações sobre o fluxo de lá.

Guisard também recebeu um ‘presente’ da boa velhinha: uma transferência bancária de R$ 36,7 mil. Segundo a defesa, refere-se à venda de um relógio e equipamentos fotográficos (a vovó é antenada).

A acusação afirma que, além da conta da vó, Mori teria usado também as contas de Rafael Spinardi e sua empresa Catarsis na Um Investimentos para fazer operações do mesmo tipo. Os dois teriam sido cúmplices com o esquema, em troca de pagamentos.

De acordo com a CVM, o lucro total do esquema foi de R$ 1,84 milhão.

A defesa do neto insiste no brilhantismo da vovó: diz que ele não operou em nome dela e nem teve acesso a informações privilegiadas.

Mori tentou fechar um ‘termo de compromisso’: ofereceu pagar uma multa de R$ 100 mil e ficar cinco anos sem exercer atividades no mercado financeiro para encerrar o caso.

Guisard também nega as acusações ofereceu pagar uma multa de R$ 130 mil.

O colegiado da CVM não topou, e o caso agora vai a julgamento.

Se condenados, eles podem ter de pagar até R$ 500 mil em multas e ficar inabilitados por até 20 anos para operar no mercado.

Uma medida provisória de junho, pós delação da JBS, deixou essas punições mais severas, com multas que podem chegar a R$ 500 milhões. Mas a lei não retroage: como o caso ocorreu antes da mudança, ainda vale a legislação anterior.