A Netshoes tem mantido conversas preliminares com potenciais investidores, abrindo pela primeira vez o kimono em sua tentativa de se tornar a primeira empresa brasileira de e-commerce a abrir o capital nos EUA.

As conversas com investidores — no Brasil e lá fora — têm sido discretas, quase sempre intermediadas pelos bancos que coordenarão a oferta.

Chamadas de ‘pilot fishing’ no jargão dos bancos, estas reuniões são importantes para testar o discurso da companhia e sentir a receptividade do mercado.

Marcio KumruianO fundador da empresa, Márcio Kumruian, e o CFO, Leonardo Dib, estão participando das conversas, e, como é praxe, a empresa não permite que os investidores fiquem com o material impresso. Os dados contidos neste artigo foram obtidos pelo Brazil Journal a partir de conversas com acionistas atuais, potenciais investidores e outras pessoas envolvidas na operação, que pode acontecer já em abril ou maio.

A Netshoes pretende se listar na Bolsa de Nova York numa oferta 100% primária que deve captar entre US$ 200 milhões e US$ 300 milhões para o caixa da companhia.  

A empresa deve colocar de 20% a 25% de seu capital no mercado, obtendo, no topo desta faixa, um ‘valuation’ de US$ 1,2 bilhão, ou R$ 3,75 bilhões ao câmbio atual. 

Para efeito de comparação, a B2W, dona do Submarino e da Americanas.com, vale R$4,4 bilhões na Bovespa, mas continua queimando caixa a um ritmo estarrecedor — R$ 3,2 bilhões desde 2014 — e prepara seu terceiro aumento de capital em dois anos (mais R$ 1,2 bilhão).

A Netshoes disse aos investidores que está faturando cerca de R$ 1,9 bilhão por ano.  Este é o valor de todas as mercadorias vendidas pela empresa, o chamado ‘gross merchandise value’ (GMV).  

A companhia afirma ter uma margem bruta de 40%. A partir daí, incorre em custos de marketing, que chegam a 10% da receita e são essenciais para atrair tráfego em empresas de e-commerce, e mais 6,5% com custos de frete. Outras despesas contribuem para deixar a margem EBITDA negativa, mas a empresa espera chegar a uma margem EBITDA de 10% em três a cinco anos principalmente a partir da diluição de custo.

A Netshoes tem cinco centros de distribuição, um escritório em SP e operações na Argentina e no México.  O Brasil representa 85% do faturamento da empresa.

Como quase todos os grandes varejistas online brasileiros, a Netshoes sempre sangrou caixa. Sua necessidade de capital de giro — que já é enorme em função de seu crescimento — é agravada pela taxa de juros suculenta do Brasil e um setor varejista acostumado a parcelar as vendas.

É uma situação oposta à da Amazon, que, pelas características do mercado americano, trabalha com capital de giro negativo. A Amazon também queima caixa, mas isso acontece porque Jeff Bezos reinveste agressivamente no negócio para continuar crescendo, frequentemente a taxas de dois dígitos.

No Brasil, a queima de caixa não tem essa característica saudável:  ela se dá por questões estruturais como o juro alto, o parcelamento sem juros e o custo do ‘frete grátis’.

A Netshoes foi a primeira grande empresa de e-commerce nacional a reconhecer esta realidade: Kumruian racionalizou o frete gratuito que dominava o setor e o parcelamento sem juros para clientes. Mais recentemente, a companhia negociou prazos maiores com seus grandes fornecedores e fez avanços notáveis em sua gestão de estoque. Com isso, Kumruian tem dito a investidores que a empresa começou a gerar ‘fluxo de caixa operacional positivo na operação brasileira’, o que pode ser a chave para o sucesso da oferta.

 
Numa história clássica de empreendedorismo, Kumruian resolveu empreender em 2000, quando era gerente de uma loja de calçados em São Paulo. Ele e um primo começaram a Netshoes vendendo tênis para alunos do Mackenzie, numa loja improvisada dentro de um estacionamento ao lado da faculdade.  Em 2002, com oito lojas físicas, a Netshoes — que de internet só tinha o nome — colocou seu primeiro website no ar.  Cinco anos depois, os sócios fecharam as lojas e abraçaram o e-commerce.  

Nos últimos anos, Kumruian está transformando o que era apenas uma loja online de produtos esportivos numa loja de departamentos virtual, agregando novas categorias como moda e beleza.  “Ele está expandindo em produtos com três atributos: itens fáceis de enviar, com margem boa e com ciclo de substituição curto, para que as vendas sejam mais recorrentes,” diz uma pessoa próxima à empresa.

 
A Netshoes também criou marcas próprias de calçados, lançou um cartão de crédito com o Itaú, opera mais de 20 lojas online de times de futebol e está desenvolvendo sua plataforma de marketplace, cujas margens são mais sexy do que o negócio de e-commerce tradicional.

Fontes que conhecem a empresa por dentro são unânimes em elogiar a forma como Kumruian navegou a crise dos últimos anos.

JP Morgan, Goldman e Bradesco BBI vão coordenar o IPO.  Os recursos da oferta serão usados para reduzir o endividamento da empresa, cuja expansão tem sido financiada em parte com dívida de curto prazo, e para criar um colchão de liquidez que permita à empresa crescer e atingir o ‘breakeven’ em suas outras geografias.

Em 2014 e 2015, a Netshoes levantou cerca de US$ 215 milhões de investidores como o GIC, Tiger, Temasek, ICONIQ Capital, Kaszek Ventures, IFC Venture Capital e Riverwood Capital.  Nenhum dos fundos vai se desfazer da posição na oferta.