De poucas palavras e raras aparições, André Jakurski agraciou clientes do BTG Pactual ontem com um diagnóstico ácido e cristalino do estado atual da economia global — em que os juros negativos e as políticas expansionistas viraram o novo normal. 

Reconhecido como um dos maiores traders do País, o co-fundador do velho Banco Pactual e da gestora de recursos JGP respondia a uma provocação de seu colega Rogério Xavier, da SPX.

“Nos últimos 10 anos, passamos a conviver com taxas de juros negativas no mundo, com programas de compra de títulos em larga escala, bancos centrais como o Japão carregando ações…”, disse Xavier.  “Isso me atrapalha muito como gestor, porque a primeira vez na vida que vi uma taxa de juros negativa na tela, eu tirei foto pra provar, porque achei que nunca mais ia ver isso na vida. E isso virou o novo normal.” 10068 67b4f82c b5a5 0006 0006 567daa376e84

“Isso é uma das formas da doença do capitalismo,” devolveu Jakurski. 

E continuou, dissecando a alma e a estrutura do sistema no qual fez nome e fortuna: 

“O capitalismo está em recessão, ou na trajetória de morte final – talvez mais lá na frente. 

A democracia no mundo é uma coisa recente. A democracia universal é mais recente ainda, uma coisa de menos de 100 anos. Antigamente, quando se falava na democracia grega, quem mandava eram os donos de terra e os mais velhos, não era a democracia pura como nós temos hoje. 

E o que aconteceu com a democracia? Com a democracia vieram os políticos. Os políticos tem que ser eleitos a cada quatro, cinco, seis anos, dependendo do país. O político tem que fazer promessas, e as promessas custam dinheiro. 

Aí você começa a criar o Imposto de Renda, que não existia. Até 100 anos atrás, não tinha Imposto de Renda nos Estados Unidos, porque o governo era pequenininho. 

Começa a se criar um sistema político onde as promessas têm que ser cumpridas e isso começa a criar impostos. Chega um momento em que você não só cria impostos, como você cria dívidas. 

Expande-se a dívida, expandem-se os impostos e há situações em que essas dívidas e promessas não financeiras (como aposentadorias nos Estados Unidos), o valor presente dos compromissos assumidos com os pensionistas é cinco vezes o PIB. Cinco vezes! 

Em muitos países é a mesma coisa. No Brasil também, se você trouxer a valor presente as nossas promessas futuras, principalmente com a taxa de juros menorzinha agora, o valor presente é enorme. 

Com tudo isso, chegou-se a essa situação. 

Criaram-se os Bancos Centrais — e os Bancos Centrais desde que foram criados só geraram desvalorização da moeda. Você chega numa situação como a que se tem hoje. 

Os juros negativos são o quê? São uma forma de se expropriar os que têm recursos. Nada mais é que uma forma de expropriação lenta, gradual e quase indolor. 

E o que eu vejo? Ao longo do tempo, os claims vão aumentando, as dívidas são impagáveis, então vai tendo uma transferência dos que têm para os que não têm. Porque só taxar renda não vai ser suficiente, vai ter que taxar patrimônio. Todos que estão sentados aqui têm que pensar nisso, porque a caça ao seu dinheiro está em ação. 

Voltando a mercados, tudo isso criou uma dificuldade enorme para a gente operar. Hoje eu tenho que ficar preocupado com o que o Trump vai tuitar, com o que o cara do algoritmo vai fazer. 

Vou contar um exemplo pra vocês do que aconteceu ontem: estou em casa, de manhã. De repente, o S&P sobe 20 pontos. O Mnuchin [secretário do Tesouro dos Estados Unidos] disse que 90% do acordo com a China está feito. Não parece razoável, né? Os caras estão brigando de foice no escuro e de repente dois dias antes do G20 está tudo resolvido? 

Não! É que uma agência de notícias em vez de dizer que o Mnuchin estava 90% acordado antes da China recuar, os caras colocaram essa manchete. E os algoritmos instantaneamente foram lá e compraram. Então, se um desavisado está vendido em 5 mil lotes de S&P em cinco segundos já perdeu US$ 5 milhões, para começar os trabalhos. 

Então, está extremamente difícil. Você tem os algoritmos e eles estão ficando cada vez mais sofisticados. Tem algoritmos que conseguem ler relatórios de analistas de empresas, interpretar o sentido e agir. Claro que eles não conseguem ter a mesma competência que temos como seres humanos, mas eles conseguem ler tudo ao mesmo tempo. 

Você está lutando com coisas que às vezes não tem sentido, mas elas afetam os preços. Os tweets do Trump, os Bancos Centrais… Hoje não são os ativos que estão subindo, é o dinheiro que está caindo. Porque quando se tem juros negativos ou juros ridiculamente baixos, todo mundo fica feliz quando a bolsa está subindo, mas não cresce até o céu. 

No Japão o juro está zero não sei há quanto tempo. A Bolsa esteve a 20 mil [pontos] em 1999, na Copa do Mundo tava 21 mil. Agora está o mesmo preço, passaram-se 25 anos. E o juro vale zero ou está negativo. Então, juro zero por si só… 

Está extremamente difícil. A volatilidade, o ‘white noise’ é terrível e atrapalha muito a gestão. Se você estivesse administrando seu próprio dinheiro, não atrapalharia muito, mas tem que ver a volatilidade dos fundos, não pode ter oscilação gigantesca da cota porque incomoda os investidores. Então, você tem que ter exposições menores para poder brigar nessas variáveis.”

ARQUIVO BJ

Manual do trader: Uma hora com André  Jakurski