Na semana passada, o governo federal enviou ao Congresso as informações complementares ao Projeto de Lei Orçamentária de 2017.
 
Trata-se de um documento eletrônico de 2.600 páginas que ilumina o funcionamento dos gastos da República detalhando como o Estado utiliza o dinheiro público para conceder subsídios e isenções tributárias nos regimes especiais de tributação. 

Nas páginas 359 a 362, o contribuinte que não aguenta mais pagar imposto encontrará as tabelas com o volume de subsídios que o governo federal gastou (com diversos programas) em 2014 e 2015, bem como a despesa projetada para 2016 e 2017.

Os dados mostram que as benesses de Brasilia para apoiar os setores ‘eleitos’ são uma locomotiva que perdeu o freio. Em valores correntes, a conta pulou de R$ 43,8 bilhões em 2014 para R$ 107,7 bilhões em 2015.  Este ano, um pequeno alívio:  o número estimado é de R$ 101,6 bilhões, mas, para o próximo ano, outro salto:  a República vai gastar R$ 121,1 bilhões ajudando muita gente a competir.

 
Continue lendo, porque isso é chato mas importante.

Há dois tipos de benefícios (subsídios). Os ‘benefícios financeiros’ são desembolsos para equalizações de juros e preços, bem como assunção de dívidas decorrentes de obrigações de responsabilidade do Tesouro Nacional, cujos valores constam do orçamento da União. Exemplo: os subsídios ao setor agrícola e a despesa do Tesouro com o infame Programa de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES. No caso do PSI, o BNDES emprestava a taxas de juros menores do que a minúscula Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), e essa perda é bancada pelo Tesouro. 

Em geral, esse benefício é uma despesa primária e afeta diretamente o resultado primário — os gastos do governo excluindo os juros sobre sua dívida. 

Já os ‘benefícios creditícios’ decorrem de programas oficiais de crédito — tais como os subsídios do crédito educativo federal, o FIES, e empréstimos dos fundos constitucionais de financiamento regionais, que emprestam a taxas de juros inferiores ao custo de captação do Governo. Do ponto de vista fiscal, esses benefícios creditícios são ainda mais sorrateiros:  eles não aparecem no resultado primário, mas afetam o pagamento de juros que o governo faz e, assim, pioram o chamado resultado nominal (a métrica mais honesta para se medir o tamanho do buraco).

A soma destes benefícios — cujo valor é estimado pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda — é, para o cidadão, o custo das benesses que o governo federal faz para apoiar os setores ‘escolhidos’ da economia. Alguns desses incentivos são totalmente desnecessários, mas, obviamente, não há necessidade que um bom lobista não consiga criar em Brasília.

Voltando aos números: em relação a 2014, a conta dos subsídios já cresceu 178% ou R$ 77,8 bilhões — um valor superior a todo o investimento da União (sem contar as estatais), que no ano passado foi de R$ 55,5 bilhões.

Os números bilionários impõem a pergunta:  qual seria o melhor uso para os recursos do Tesouro, esse ente público com tantos donos privados? O País deveria gastar mais em obras de infraestrutura para aumentar a competitividade da economia, ou ajudar algumas empresas ou setores que desfrutam de acesso aos gabinetes certos?

É possível que parte desses subsídios se direcione para projetos de infraestrutura via bancos públicos, mas isso parece improvável: como os números mostram, os subsídios explodiram nos últimos anos, ao mesmo tempo em que os investimentos público e privado mergulharam de cabeça.

A grande maioria desses subsídios vai para programas meritórios mas insustentáveis no moldes atuais. No caso do FIES, a Fazenda estimou que o custo do programa (benefícios financeiros e creditícios) passou de R$ 1,8 bilhão em 2014 para R$ 8,3 bilhões estimados para 2017 — ou seja, mais do que quadruplicou em três anos.

Mas a herança maldita ainda é pior do que parece à primeira vista.

 
A conta acima é apenas o custo atual dos subsídios do FIES. Há ainda uma conta (mais salgada) para o futuro.  Como quase metade dos empréstimos que o governo concedeu aos estudantes (para deleite das empresas de educação) dificilmente será paga, o Tesouro herdará uma cratera de dezenas de bilhões de reais: um esqueleto que em algum momento terá que sair do armário. Todos os brasileiros pagarão essa conta, incluindo os beneficiados pelo programa.

A propósito, a tabela também mostra o valor dos benefícios financeiros e creditícios da politica desastrada dos campeões nacionais. Essa conta (“Empréstimos da União ao BNDES” e “Programa de Sustentação do Investimento-PSI”) foi de R$ 21,3 bilhões em 2014, e chegará a R$ 37,5 bilhões em 2017, um crescimento nominal de 76%.  

Você conhece o Brasil: o subsídio vai sempre para quem não precisa, e o financiamento de campanha vai para quem sabe pedir.

Além da PEC do controle dos gastos federais — essencial para restabelecer a disciplina jogada pela janela nos últimos anos — o governo Temer deveria ousar reduzir o volume dos subsídios federais, e seria apenas justo se o ônus deste esforço recaísse, em especial, sobre aqueles que tiveram acesso a juros dos bancos públicos muitas vezes inferiores à inflação.

PS:  Esses subsídios todos não incluem as chamadas desonerações fiscais, que chegam a R$ 284 bilhões e já abordamos aqui.