Numa crise que se agravou no fim de semana, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito, Iêmen e Bahrein estão promovendo um embargo ao Qatar sob a alegação de que o país teria uma tolerância com o regime de Teerã e associação com grupos islâmicos.

O embargo que começou ontem já causou alta na cotação do petróleo, mas o combustível mais sensível a esta crise será o gás natural.

 
O Qatar tem uma produção de óleo de apenas 618 mil barris/dia. Porém, possui uma grande produção de condensado (light oil) e líquidos de gás natural (LGNs = propano e butano), que adicionam mais 1,3 milhão de barris/dia. Isso faz do Qatar o maior exportador de GNL mundial.

A princípio, as exportações de GNL e petróleo do Qatar não devem ser afetadas — mesmo que seus navios sejam impedidos de passar por águas sauditas e dos Emirados. O truque:  o Qatar pode navegar por águas iranianas e, em seguida, passar pelo Estreito de Ormuz através da faixa de transporte habitual no território de Omã, ou mesmo permanecer no setor iraniano se Omã se juntar aos seus colegas do GCC (Conselho de Cooperação do Golfo) no bloqueio. 
 
Qualquer tentativa de parar as exportações de Qatar irá provocar uma grande crise e levaria a uma resposta séria dos seus principais clientes de GNL: Japão, Coréia do Sul, China e Índia.  Até agora, o acesso à  Europa pelo Canal de Suez não está comprometido, mas as embarcações do Qatar não podem mais utilizar o principal porto de abastecimento da região — em Fujairah, nos Emirados Árabes.

 
Por compartilhar o North Field — o maior campo de gás do mundo — com o Irã e tendo muitas instalações offshore vulneráveis ​​na fronteira iraniana, Doha tem pouca escolha senão manter relações razoáveis ​​com Teerã. 
 
Se a disputa continuar escalando, a retaliação mais séria do Qatar seria cortar as exportações de gás natural para os Emirados Árabes através do gasoduto Dolphin, que entrega mais de 2 bilhões de pés cúbicos por dia e responde por mais de um quarto do consumo de energia elétrica dos Emirados.
 
Por outro lado, os Emirados Árabes têm poucas e limitadas opções para substituir o gasoduto de Dolphin, pois a capacidade de importação dos terminais alternativos não dá conta da demanda. Essa situação fica ainda mais crítica com o aumento das temperaturas na região, agora no meio do ano, o que exige maior consumo de energia por ar condicionado.
 
Cortar suprimentos seria um movimento muito sério para o Qatar, e prejudicaria sua reputação de fornecedor confiável: o Japão é muito dependente da importação de GNL e a China vem crescendo sua demanda devido à diversificação das fontes que compõem sua matriz energética.
 
Depois de décadas de preocupação com as interrupções do Oriente Médio aos fluxos de petróleo, o inédito nesta crise é que a preocupação tenha que ser com o gás natural. Que, como sempre afirmam os analistas, será a fonte de energia de transição para uma matriz energética mais limpa.
 
 
Adriano Pires é fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), uma consultoria no setor de energia. Foi superintendente da Agência Nacional do Petróleo (ANP).  É economista pela UFRJ e doutor em economia industrial pela Universidade Paris XIII.