Com o Dow, o S&P e o Nasdaq nas suas máximas históricas, a discussão sobre se o mercado americano já vive uma bolha começa a ganhar tração.
 
Para Jeremy Grantham, a Bolsa americana ainda vai subir (por mais 6 meses ou dois anos) antes de implodir espetacularmente numa correção que pode chegar a 50%.

Um conhecido investidor focado em valor, Grantham é um cara respeitado, mas sua gestora, a Grantham Mayo & van Otterloo (GMO), que administra mais de US$ 80 bilhões em Boston, perdeu clientes nos últimos anos por performar abaixo dos índices. É da vida: numa época de ‘growth’, ‘value’ sempre sai de moda. Grantham jamais acreditou, por exemplo, na expansão de margens que as empresas americanas estão vivendo; em vez disso, ele achava que, passada a crise de 2008, as margens voltariam a suas médias históricas.

Assim, quando ele previu ontem que o mercado vai continuar subindo no curto prazo, sua fala chamou atenção em Wall Street.
 
Grantham acha que o mercado está entrando numa fase de ‘melt up’, o ‘sprint’ final antes do colapso inevitável.
 
Seu argumento é elaborado.  Grantham — que certa vez definiu uma bolha como ‘fundamentos excelentes extrapolados euforicamente’ — gastou 13 páginas (incluindo gráficos) para descrever o que deve acontecer com o mercado daqui para frente.
 
Para começo de conversa, ele diz que o mercado americano de ações está caro. (Vou preservar essa fala em inglês porque ela soa mais aterrorizante: “The data on the high price of the market is clean and factual. We can be as certain as we ever get in stock market analysis that the current price is exceptionally high.”)
 
Mas preços nas alturas, de forma isolada, não indicam uma bolha. São necessários outros elementos: fatores psicológicos e comportamentais indicando extrema euforia por parte dos investidores.
 
Anos atrás, Grantham ajudou a criar um conceito para diferenciar uma bolha de um ‘bull market’ comum. Segundo sua tese, a bolha acontece quando os preços dos ativos ultrapassam dois desvios-padrão de sua série histórica.  Mas agora, o próprio Grantham acha que essa medida estatística não é confiável: o mercado americano já passou dos dois desvios-padrão, mas não apresentou claramente os outros elementos que sinalizam euforia, ainda.
 
Mas alguns sinais já são visíveis:
 
1) Aceleração de preço. Grantham não tem dúvidas de que o indicador mais forte da existência de uma bolha é a aceleração dos preços.
 
Segundo Grantham, o tempo médio da fase final de uma bolha tem sido de três anos e meio, mas o ciclo de aceleração (que constitui a última fase) dura apenas 21 meses em média.
 
Ele já vê sinais deste movimento no mercado.  “Até recentemente, você poderia descrever o mercado como numa escalada constante,” diz Grantham. “Mas recentemente, digamos nos últimos seis meses, temos visto uma modesta aceleração, possivelmente a base para um assalto final ao topo.”
 
Para Grantham, se a bolha atual for similar à mais leve das bolhas anteriores, o S&P deverá subir nos próximos 9 a 18 meses para algo entre 3.400 e 3.700 pontos; hoje está em 2.713.
 
Para apoiar a tese, Grantham cita o estudo “Bubbles for Fama”— publicado há quase um ano pelos professores de Harvard Robin Greenwood, Andrei Schleifer e Yang You. Os três tentaram dar uma resposta a uma queixa do economista Eugene Fama — a de que ninguém foi capaz de desenvolver até hoje um modelo estatístico para prever o estouro de bolhas.  
 
2) Concentração.  No final dos ciclos de alta, os compradores se fixam nos papeis que mais subiram — os ‘winners’ — e compram pelo simples motivo de achar que o papel continuará subindo, em vez de enxergar qualquer lógica de valor de longo prazo.
 
A concentração naturalmente favorece as maiores empresas porque, como têm mais liquidez, elas possam absorver melhor a demanda. Assim, as ações de empresas “de qualidade” e mais estáveis tendem a performar melhor que o mercado nesta fase final do ciclo.
 
Para ilustrar isso, Grantham desenterra uma frase do ex-CEO do Citigroup, Chuck Prince, que ficou famosa (e posteriormente infame) em 2007, às vésperas da crise que levou à quase implosão do capitalismo.  Numa entrevista ao FT, Prince disse:  “Quando a música parar, em termos de liquidez, as coisas vão ficar complicadas… Mas enquanto a música estiver tocando, você precisa se levantar e dançar. Ainda estamos dançando.” 
 
Em outras palavras: nessa fase do ciclo, em vez de ficar comprado em empresas de segunda linha, o investidor prefere ficar comprado nas melhores empresas. Vai que a música para….
 
O fosso entre a primeira e a segunda linha já começou a se abrir. No final do ano passado, uma grupo de companhias de alta qualidade (selecionadas pela firma de Grantham) subia 29% no ano; o S&P subia 20%; e um grupo de empresas de baixa qualidade (junk), apenas 13%.
 
3) Movimentos de bolha em outros ativos.  Para Grantham, o mercado imobiliário dos EUA ainda não mostra os sinais de euforia descritos em 2004, 2005 e 2006, quando as pessoas se gabavam publicamente de ter comprado apartamentos na Flórida e de ter dobrado o capital em pouco tempo.
 
Mas o preço médio das casas — medido como um múltiplo da renda familiar — já está hoje num nível bem mais alto do que em qualquer período antes da bolha de 2006.  Grantham nota que, na figura abaixo, os preços ensandecidos da bolha anterior fazem os preços altos de hoje — mais de dois desvios-padrão acima da média — parecer menos irrazoáveis….
 
10389 ddcb11dc 3165 01b3 0000 b49909436d07
 
4) O ‘partido certo’ na Casa Branca.  Grantham brinca que, historicamente, “uma condição indispensável para uma bolha estourar é que haja um Presidente republicano na Casa Branca.” Foi assim com Hoover (1929), Nixon (1973), George W. Bush (2001 e 2008) e Trump (2019?).  Ainda que essa observação empírica seja curiosa, sua relevância estatística é obviamente nula.
 
5) A culpa do Fed…. e o bitcoin.  Grantham comenta o papel do Fed nas bolhas anteriores e não mede palavras para descrever o bitcoin, que, nos preços atuais, é “a própria essência de uma bolha” por não ter “nenhum valor fundamental e ser negociado em mercados não regulados, aliado a uma narrativa que conduz a ilusões de grandeza.” Para ele, os dados mostram que o bitcoin já é a maior bolha da história.
 
10390 afb9bd93 af98 0000 0000 1d1351fcb2c1
 
O resumo da ópera, de acordo com Grantham:
 
— Um ‘melt up’ — a fase final da formação da bolha — no mercado de ações americano deve ocorrer dentro de seis meses a dois anos (ele atribui mais de 50% de probabilidade a este timing);
— Se este cenário ocorrer, a probabilidade da bolha estourar em seguida é, na estimativa de Grantham, acima de 90%;
— Se a bolha estourar, o mercado provavelmente cairia 50%;
— Depois que a correção ocorrer, o mercado muito provavelmente voltará a negociar bem acima do múltiplo de 15x lucro no S&P em que negociava antes da crise de 1998, mas um pouco abaixo da linha de tendência dos últimos 20 anos.
 
O que os investidores devem fazer?
 
“Eu teria [no portfólio] o máximo de ações de mercados emergentes que a sua carreira ou o seu nível de risco seja capaz de tolerar, e também EAFE (acrônimo para Europa, Austrália, e Extremo Oriente). Acho que cada uma destas categorias, especialmente os mercados emergentes, tem mais potencial do que a maioria das pessoas imagina,” diz Grantham.
 
E, se os preços começarem a disparar daqui para frente, em linha com os ‘melt ups’ anteriores, os investidores “devem estar prontos para reduzir sua exposição à Bolsa — idealmente reduzir muito, se você conseguir — ou quando os sinais psicológicos se tornarem extremos ou quando, depois de consideráveis ganhos, o mercado frear de forma convincente.”

 
“Se você não consegue lidar com essa ideia e não consegue desenvolver e executar uma estratégia de saída, então fique parado e ignore todos esses conselhos, exceto pela alocação acima da média em mercados emergentes. É claro que eu reconheço que pular fora de mercados em declínio é uma idéia completamente irrealista para as grandes instituições, que são ilíquidas, e enervante até mesmo para quem tem mais resiliência. Neste sentido, você pode encarar este artigo como um exercício acadêmico … as reflexões de um velho estudante do mercado que acha que vê os sinais de uma iminente queda que será dolorosa para investidores de valor. É melhor estar avisado e sofrer do que ser surpreendido e sofrer? Pelo menos quando avisado você pode se preparar.”