Nas últimas semanas, notícias sobre uma possível fusão com a Saraiva trouxeram à tona os problemas financeiros da Livraria Cultura.
 
Com vendas em queda há pelo menos três anos e pouco dinheiro em caixa, a empresa teve que negociar prazos de pagamento com editoras, trazendo ao mercado temores, inclusive, sobre uma possível recuperação judicial.
 
Mas a família Herz, controladora da Cultura, garante que vai tudo muito bem, obrigada.
 
O CEO Sérgio Herz e seu pai e presidente do conselho, Pedro Herz, disseram ao Brazil Journal que nem as conversas com a Saraiva nem os boatos sobre uma possível RJ procedem.
 
“Essa história da Saraiva, a gente ficou sabendo pelos jornais. Não houve conversa. Não fizemos qualquer proposta. Na verdade, somos compradores”, disse Sérgio.
 
No fim do ano, a família recomprou a participação de 25% na livraria que estava nas mãos da gestora NEO Investimentos. Os valores da recompra não foram revelados. Tudo sugere, no entanto, que não havia outros interessados e a gestora perdeu (muito) dinheiro no negócio. 
 
A NEO entrou no capital da Cultura em 2009 com um aporte de R$ 30 milhões — avaliando a empresa em R$ 120 milhões.
 
No balanço de 2014 do fundo Capital Mezanino, que abriga o investimento da NEO, a participação na Cultura estava marcada a mercado por R$ 47,3 milhões. (Nos fundos de private equity, a avaliação dos investimentos ilíquidos é feita semestralmente por consultoria especializada, com base principalmente nas perspectivas de fluxo de caixa).
 
No ano seguinte, esse valor caiu quase pela metade, para R$ 26,1 milhões, e em 2016, despencou para R$ 8,3 milhões, avaliando a Cultura em R$ 33 milhões, ou menos de um quarto do investimento inicial. O prazo para desinvestimento do fundo terminava neste ano.
 
A saída foi amigável, garante Pedro. “Aprendemos para chuchu. Somos amigos, jantamos juntos”. 
 
Procurado, Luiz Chrystosomo, sócio da NEO, não quis falar sobre o investimento na Cultura nem o papel do fundo na gestão. A gestora tinha dois assentos no conselho da empresa.
 
Nascida na década de 1940 na sala de estar de Eva Herz, mãe de Pedro e avó de Sérgio, a Cultura é dona de uma marca respeitada e é conhecida por suas lojas amplas e de arquitetura moderna, com espaço para cafés e eventos. Ao todo, a empresa tem 17 lojas e fatura cerca de R$ 400 milhões. (A Saraiva, líder de mercado tem 115 lojas e fatura R$ 2 bilhões.)
 
Mas o maior atrativo da Cultura é também seu maior problema: o custo de operação das unidades é alto.

De 2010 a 2014, quando a economia ainda bem, a rede abriu lojas e viu seu faturamento saltar 74%.  Mas as despesas também dispararam — e o negócio queimou caixa já em 2014, quando atingiu sua receita recorde. Quando a crise chegou e a demanda encolheu, a situação ficou crítica: em 2015, o prejuízo foi de R$ 19 milhões.

No mercado editorial, a visão é de que a Cultura está em ‘denial’, e não se adaptou aos tempos de recessão como deveria.

Segundo o IBGE, nos doze meses encerrados em novembro, as vendas totais das livrarias recuaram 16,5% — um dos piores desempenhos do varejo.

Sérgio rebate a crítica e diz que 2016 foi o ano em que a companhia “fez a lição de casa”. Apesar de o faturamento ter caído 8% e voltado aos patamares de 2013, houve um profundo corte de custos — com demissões e redução de área de lojas — que fez o resultado operacional voltar ao azul (os números oficiais ainda não foram publicados).
 
O aumento no prazo de pagamento às editoras – que saiu, em média, de 90 para 120 dias — faz parte da estratégia de “financiar o fluxo de caixa”. 

“A gente dá a opção para o consumidor pagar em 10 vezes e estava pagando em 60 dias. Não fazia sentido”, diz Sérgio, garantindo que o novo prazo é ‘praxe’ no setor e não há valores em aberto. 

Nos últimos anos, a profecia de que o livro impresso caminharia para a extinção com o advento dos tablets tem sido uma narrativa comum quando o assunto é o futuro das livrarias. 

Mas o impresso permanece tão vivo que, nos Estados Unidos, a própria Amazon está abrindo livrarias — já são três unidades, outras seis estão programadas, e há quem diga que ambição é chegar a 400.  

O consumo de livros digitais cai há pelo menos dois anos nos Estados Unidos e, no Brasil, a tendência nunca chegou a incomodar de fato:  a estimativa é de que os e-books representam apenas 5% do mercado editorial nacional. 
 
Por aqui, a crise econômica e a compra de livros impressos pela internet — e não o e-book — são os verdadeiros algozes das Culturas e Saraivas.

A Cultura está apostando que suas vendas online vão crescer — e Sergio acha que, para isso, a suntuosidade de suas livrarias será uma vantagem, e não um passivo.

Para ele, as compras pela internet farão as lojas físicas perder rentabilidade, mas não importância.
 
“Hoje você não vai mais na loja para comprar,” diz. “O desafio do varejista é ser atrativo para o consumidor. Nesse sentido, temos quase que certeza absoluta que acertamos no nosso modelo de lojas. É um modelo de atrai muita gente. Trabalhamos com a loja do futuro sendo ponto de engajamento, mas não necessariamente fazendo dinheiro. A retorno mesmo virá do on-line”.

As vendas pelo site da Cultura hoje representam 30% do faturamento; a empresa quer chegar a 70% em cinco anos. Mas se o faturamento crescer pouco e o crescimento das vendas online tirar tráfego das lojas físicas, não fica claro como a Cultura conseguirá diluir seus custos e tirar suas lojas do vermelho.