Milhares de lojistas, taxistas e restaurantes ficaram sem receber pagamentos das credenciadoras de cartão nos últimos dias, gerando um novo tipo de caos na vida de empreendedores e empresas às vésperas da Black Friday.

A interrupção nos pagamentos é resultado de problemas operacionais advindos da implementação de uma nova norma do BC que obriga a centralização dos pagamentos das credenciadoras na CIP, uma câmara de liquidação.

Segundo fontes da indústria, os problemas afetam todas as credenciadoras.  Do lado dos bancos, fontes estimam que 90% dos problemas estejam concentrados no Banco do Brasil e na Caixa.  Segundo os relatos, a CIP não é parte do problema.

Os problemas começaram a aparecer na semana passada, quando as credenciadoras e os bancos começaram a testar novos sistemas desenhados para conversar com a plataforma da CIP.  A norma do BC determina que, partir de segunda-feira (20/11), todas as liquidações sejam feitas pela CIP, uma medida desenhada para reduzir o risco sistêmico.

Durante os testes da semana passada, quando um problema aparecia e o dinheiro não era creditado na conta do cliente, as credenciadoras recorriam a pagamentos via TED para fazer o dinheiro chegar ao lojista.

Mas na segunda-feira, o deadline imposto pelo BC, a situação ficou dramática: a partir daquela data, a norma impede que as credenciadoras lancem mão de ‘contingências’ — meios alternativos de pagamento, como o TED — para fazer os pagamentos.

Com isso, vários adquirentes não estão conseguindo fazer o crédito chegar a seus clientes. Em alguns casos, o banco recebe os recursos mas não consegue colocar o dinheiro na conta.  Em outros, o saldo do cliente indica que o dinheiro entrou, mas o extrato não mostra a operação de crédito.

O site ReclameAqui registra dezenas de reclamações de lojistas que não estão conseguindo receber o pagamento — alguns alegam até ‘sequestro financeiro’. Um cliente do Banco do Brasil diz que não consegue os repasses de recebíveis da Redecard desde o dia 13 e que, por isso, atrasou o pagamento dos funcionários, que deveriam ter recebido dia 20. “A resposta sempre é a mesma: ‘Estamos trabalhando em cima e o problema é da CIP”, diz. Outra lojista, que opera com máquinas Cielo, disse que a Caixa não repassou o dinheiro para sua conta. “Estou aflita porque tenho contas para pagar (…), quem vai pagar os juros dos boletos?”

Executivos do setor dizem que as áreas de atendimento das credenciadoras estão repletas de horas de gravação de clientes desesperados por não terem como honrar compromissos.

No Banco do Brasil, um dos problemas parece ser localizado em clientes que foram forçados a trocar de agência quando sua agência original fechou. Para não mudar a conta, o BB criou um protocolo — exemplo: ‘agência 2343’ também quer dizer ‘agência 2345’.  Por algum problema de programação, esse protocolo ‘de/para’ não está sendo reconhecido pela plataforma que o BB construiu para falar com a CIP.

Na Caixa, os não-pagamentos são generalizados desde a semana passada.

Numa reunião na Febraban ontem para discutir o assunto (com a presença do BC e das credenciadoras), um executivo da Rede — credenciadora que pertence ao Itaú — narrou aos colegas que pelo menos um cliente foi com a polícia à sede da Rede para exigir seu dinheiro.

No intrincado ecossistema dos meios de pagamento, um mesmo grupo econômico pode ter até três papeis diferentes: como credenciadora (Rede, por exemplo), banco-domicilio (o banco onde o lojista escolheu ter sua conta) e o banco liquidante (que presta o serviço à credenciadora de mandar o dinheiro para o banco domicilio). Em dado momento da reunião, um representante da Getnet reclamava com um representante do Santander — apesar de ambos serem parte do mesmo time.

Para pelo menos uma fonte, a solução agora é o BC voltar a permitir pagamentos por outros meios até que o sistema esteja realmente pronto para operar sob a nova norma.

Em nota ao Brazil Journal, o Banco do Brasil informou que “houve uma instabilidade em seus sistemas após a implementação da nova regra, o que impediu o processamento de créditos a alguns estabelecimentos”. Segundo o banco, “as medidas para regularização já foram adotadas e os créditos já estão sendo efetuados, com previsão para conclusão de todos os acertos até 27/11” e  “nenhum cliente será prejudicado”.

O Banco Central também se manifestou em nota: “A liquidação centralizada foi implantada conforme estabelecido na regulamentação e o resultado está dentro do previsto. Os problemas relatados, contudo, não dizem respeito a liquidação centralizada propriamente e refletem dificuldades pontuais de algumas poucas instituições financeiras. Vários dos problemas ocorreram na semana passada, durante período de contingência,  e foram, na sua maioria, sanadas. As instituições estão trabalhando para sanar os problemas pontuais remanescentes. A área de supervisão do Banco Central tem cobrado dessas instituições solução tempestiva para as dificuldades relatadas”.

O regulador disse ainda que “a nova sistemática de pagamentos elimina as ineficiências trazidas pela existência de múltiplos prestadores de serviço de compensação e de liquidação para um mesmo arranja de pagamento, com potencial para reduzir custos na indústria”.

Já a CIP reiterou que “seu sistema não apresenta problemas, e está em contato com os partipantes, a fim de colaborar para a sua estabilização”.