Mansueto de Almeida está na Secretaria do Tesouro, mas poderia estar no Itamarati.

Depois da festa de pautas-bomba na semana passada — que rendeu manchetes falando em gastos extras de R$ 100 bilhões — Mansueto interrompeu suas férias em Recife para falar ao Brazil Journal na sexta-feira.
 
Mas em vez de admoestar o Congresso, o Secretário preferiu ser diplomático e enfatizar a relação construtiva que a equipe econômica tem com o Legislativo.

10204 1c99bbc3 b482 0000 0009 eb094d7f446aEssa relação — entre os que têm como missão defender os cofres públicos e aqueles cuja carreira política frequentemente depende de arrombá-los — sempre foi delicada, tensa e dividida entre avanços e revezes.

Mas com o País inapelavelmente quebrado depois dos anos Dilma, o chocante é que muitos deputados ainda não tenham recebido a mensagem: qualquer gasto novo tem que ser compensado por um corte em outro lugar.  O Congresso continua sendo um condomínio de interesses setoriais e paroquiais, e a defesa do caixa — e dos interesses da República — fica com o Executivo.

Foi assim que nos últimos meses, em especial na semana passada, avançaram no Congresso projetos que aumentam as compensações aos Estados pela desoneração de ICMS sobre exportações, facilitam a criação de novos municípios, revertem vetos do Presidente a mudanças feitas no Funrural — sem falar na Bolsa Caminhoneiro, educadamente chamada de ‘novo marco regulatório do transporte de cargas’.

Ao aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias na semana passada, o Congresso retirou um artigo que vedava a concessão de aumento ao funcionalismo.  Mansueto diz que o artigo é desnecessário porque um outro artigo da própria LDO diz que para se aumentar uma despesa obrigatória é necessário reduzir outras despesas obrigatórias, além do fato da Emenda do Teto dos gastos limitar novos aumentos salariais.

Há projetos de lei tramitando no Congresso que podem impactar muito as contas públicas.  Algumas estimativas falam em R$ 100 bilhões. Como o Tesouro e a Fazenda estão lidando com isso?

Muito desses projetos ainda estão em tramitação nas comissões do Congresso Nacional, e muitos deles ainda passarão por diversas modificações antes de serem apreciados pelo plenário. Alguns não fizeram, inclusive, a estimativa de impacto orçamentário e financeiro que é exigido pelo Art. 113 da Constituição, que foi instituído com a Emenda do Teto dos Gastos (EC 95/2016). Sem essa estimativa alguns desses projetos podem, inclusive, ser considerados inconstitucionais. 

Tenho certeza que ao longo da tramitação desses projetos, o impacto fiscal vai ser reduzido e, no caso da aprovação de alguma conta sem a definição da fonte de recurso para o seu pagamento, o Presidente da República pode vetar alguns desses artigos por exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Se tivermos uma nova despesa sem a definição de fonte de recurso, a LRF e, em alguns casos, a própria Constituição Federal não permite a execução dessa despesa. 

A Fazenda e o Tesouro estão lidando com essa situação com um diálogo aberto e transparente com os parlamentares. O Congresso nos últimos dois anos aprovou um teto para o crescimento do gasto público, reduziu a concessão de crédito subsidiado com a aprovação da TLP e recentemente aprovou a reoneração da folha de salários para alguns setores ainda este ano e para todos a partir de 2020. 

Acredito que com um bom diálogo com os parlamentares esse risco de impacto fiscal não vai se materializar. E a partir de outubro teremos este e o próximo governo, que vai ser eleito em outubro, lutando por medidas de ajuste fiscal. 

Mas, Secretário, o ‘próximo Governo’ ainda não existe para poder se opor aos novos gastos, e o atual tem pouca força frente aos interesses setoriais.  Não há o risco deste Congresso ceder às tentações da carne e aprovar uma festa, e a ressaca ficar para o próximo?

Até as eleições de outubro, nós teremos cerca de três semanas de votações apenas ao longo de três meses Não dá tempo para votar todas as medidas que podem ter algum impacto fiscal. E acredito que os parlamentares, quando analisarem melhor o custo de algumas dessas medidas, vão rever o teor e o impacto final de muitas delas. 

No pior dos casos, se essas medidas evoluírem e se não houver a devida compensação seja pelo corte de outras despesas ou pela definição da fonte de recursos, o Presidente da República terá que vetar algumas para cumprir com a LRF. Há risco de derrubada de vetos? Há, mas é muito baixo. A apreciação de eventuais vetos deverá ocorrer apenas depois das eleições e, neste caso, teremos a ajuda do novo governo eleito para garantir que não haverá retrocesso. 

A situação é muito simples. Qualquer novo aumento de despesas terá que obedecer o limite do teto dos gastos que já está apertado para o próximo ano. E se for criado algum beneficio do lado da receita, renúncia tributária para setores específicos, o Executivo e o Legislativo terão que buscar uma forma de compensação com aumento de outros impostos, o que também não vai agradar ninguém. 

Hoje, o Tribunal de Contas da União está muito mais duro e vigilante, o que limita muito a possibilidade de retrocesso no ajuste fiscal. Para haver um retrocesso será preciso mudar a Constituição Federal e a LRF.  Enquanto isso não ocorrer, e acho que não há risco de ocorrer, estou muito tranquilo com a continuidade do ajuste. Repito: para termos retrocesso no ajuste fiscal tem que derrubar a emenda do teto dos gastos (EC 95/2016) e não acredito que ninguém esteja disposto a correr este risco, porque a contrapartida seria um ajuste fiscal via um forte aumento de impostos ou a volta de inflação alta para equilibrar receita e despesa.

 

Quanto dessas iniciativas comprometem o resultado fiscal deste ano?  E quais PLs podem ter impacto para o próximo Presidente?

Se aprovados, a grande maioria dos projetos em tramitação terão impacto fiscal ao longo dos próximos anos. Por exemplo, o PL que aumenta as transferências para compensar os estados pelas desonerações dos impostos nas exportações da Lei Kandir, a criação de novos municípios, novos benefícios para transportadoras, etc. 

Mas a minha percepção é que a possibilidade dessa pauta evoluir é muito pequena porque isso aumentaria o custo do ajuste fiscal para o próximo governo. O mais provável é que esses projetos ainda passem por várias mudanças e, novamente, sem a definição da fonte de recursos esses projetos não poderão ser implementamos mesmo que aprovados. E pelo que sei hoje ninguém defende aumento de carga tributaria para dar benefícios a setores específicos.  

Como está o resultado fiscal deste ano?

Para este ano o resultado fiscal está praticamente dado, e a surpresa é que estamos com números melhores do que esperávamos. Ao contrário do ano passado, de janeiro a junho deste ano a arrecadação veio maior do que a receita esperada em todos os meses. O resultado das estatais tem sido também melhor do que esperávamos, e estados e municípios podem ter um resultado primário melhor que o projetado na LDO. Eu não me surpreenderia se fechássemos este ano com um resultado primário melhor do que a meta do ano, que é um déficit primário de R$ 159 bilhões para o governo central e de R$ 161 bilhões para o  setor público. 

Para o governo central, por exemplo, até maio deste ano, o déficit primário em 12 meses está em R$ 95 bilhões (1,4% do PIB), resultado muito abaixo da meta do ano de R$ 159 bilhões (2,2% do PIB). E esse número pelas nossas expectativas não deve mudar muito nos próximos dois meses. Pode até melhorar. 

O senhor não acha que os deputados vão ler essa boa notícia como oportunidade para gastar mais, aprovar mais um subsidiozinho aqui outro ali? 

Mesmo que o Congresso quisesse aumentar a despesa não teria como, porque já estamos no teto dos gastos. A melhora no resultado primário este ano em relação à meta será resultado de uma arrecadação maior do que a que estava projetada, despesas dos ministérios que não foram pagas apesar de autorizadas, resultado melhor dos estados e municpios e resultado melhor das estatais. Tudo isso está acontecendo.

As surpresas positivas este ano serão, necessariamente, transformadas em melhora do resultado primário dado que a despesa primária do governo central já está no teto. Assim, a única forma de gastar parte dessa melhora seria por meio da abertura de credito extraordinário para pagar despesas urgentes e imprevisíveis, como em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública. No caso da greve dos caminhoneiros, tivemos que caracterizar aquele episódio como calamidade pública por todo o desabastecimento que você viu no noticiário.

 
Sem outra calamidade, não haverá gasto extra independentemente do espaço fiscal que vai surgir com a melhora do primário. 

Só para colocarmos em perspectiva (e para os candidatos ao Planalto não se perderem no ufanismo), qual é mesmo o tamanho do ajuste fiscal necessário para os próximos anos?

Sendo otimista, estamos falando de um ajuste fiscal de, no mínimo, 4 pontos do PIB. Temos que transformar um déficit primário que hoje está por volta de 2% do PIB em um superávit primário de pelo menos 2% do PIB. Quanto mais demorar, maior terá que ser esse ajuste. 

Vale lembrar que esse ajuste fiscal é exatamente da mesma magnitude do que foi feito no Brasil de 1998 a 2002. Mas naquela época o ajuste veio do aumento da carga tributária, pois a despesa primária do governo central não diminuiu como porcentagem do PIB. 

O problema hoje é que já temos uma carga tributária muito alta (cerca de 33% do PIB) para o nosso nível de desenvolvimento e, assim, não dá para repetir o que foi feito na década de 1990. O ajuste agora terá que ser mais do lado da despesa e, para uma economia que tem um governo central que 92% da despesa é obrigatória, esse corte da despesa terá que ser necessariamente gradual. A boa notícia é que o mercado aceita esse ajuste gradual.

A Fazenda tem falado em deixar pronta uma pauta de medidas que poderão ser adotadas pelo próximo Governo para ajudar a economia.  Que medidas são essas?

Diversas medidas. Vamos no Tesouro elaborar um documento com todas as nossas simulações de impacto de diversos tipos de reformas. Por exemplo, qual a economia potencial se o governo não tiver crescimento real da folha de pessoal de 2020 a 2022? Isso não significa necessariamente reajuste salarial zero, já que um aumento salarial pode ser compensado por menos contratações. 

Vamos deixar um outro documento que será elaborado com a ajuda do Banco Mundial sobre financiamento para estados e municípios e novas medidas que precisam avançar para ajudar ainda mais os entes subnacionais no esforço de ajuste fiscal. E recentemente recriamos um grupo que estuda o mercado de capitais e vamos tentar aprovar algumas coisas este ano e deixar outras para o próximo governo como sugestão. Isso funcionou muito bem na transição de 2002 para 2003 e esperamos fazer o mesmo agora. 

Por fim, todas as áreas do Ministério da Fazenda junto com a Casa Civil pretendem ajudar na transição e fazer um relato cuidadoso do que conseguimos e o que tentamos e não conseguimos aprovar. A cooperação com o governo eleito será total e nossa dedicação para ajuda-los na transição será total. 

O Governo pretende retomar a votação do projeto que tributa os fundos exclusivos da mesma forma que os outros fundos de investimento são tributados?

Sim, possivelmente ainda este ano. Esta é uma medida que esteve muito próxima de ser aprovada mas não foi. Mas é uma medida justa e acho que vai ao encontro do que vários candidatos estão falando. Muitos querem inclusive tributar dividendos. 

Acho que ainda é possível aprovar a tributação de fundos exclusivos, mas precisamos explicar melhor o teor da medida e mostrar que é uma medida justa que vai harmonizar a tributação dos fundos de investimento independentemente dele ser ou não exclusivo. 

Uma coisa que tem ajudado o ajuste fiscal é o fato de muitos ministérios não estão conseguindo gastar o dinheiro — executar o orçamento — por causa da burocracia.  Pela sua experiência aqui em Brasilia, o senhor diria que, além de reformar o Estado, o Brasil precisa também de uma reforma das próprias regras de funcionamento do Estado?

Sem dúvida. Até maio os ministérios deixaram de gastar cerca de R$ 13 bilhões que estavam liberados para pagamentos. Muitas vezes, o mesmo ministério alocou um recurso para uma obra que atrasou e precisa de caixa para pagar outras despesas. A gestão púbica precisa melhorar muito. Precisamos avaliar melhor o custo e benefício de diversos programas públicos e de regimes especiais de tributação.

 
Mas acima de tudo, precisamos modificar as leis que determinam o crescimento da despesas obrigatórias, em especial a despesa com Previdência e a despesa com pessoal. Só essas duas despesas somadas estão crescendo entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões por ano.


Vou ser ainda mais claro: sem reforma da Previdência não haverá ajuste fiscal, e teremos o risco da volta da inflação. Estamos falando de um país que tem uma despesa pública total (incluindo juros) que ultrapassa 40% do PIB, carga tributária de 33% do PIB, e ainda tem um desequilíbrio fiscal perto de 8% do PIB (déficit nominal). Para você ter uma ideia, este déficit era de apenas 2,5% do PIB em 2012.

A equipe econômica tem mantido conversas com os assessores econômicos dos pré-candidatos.  No geral, eles têm uma ideia bem exata do tamanho do desafio fiscal?

Todos eles mostram um grande interesse em se aprofundar na discussão dos números. Dos que conversei até o momento, todos estão cientes da necessidade de continuar com o ajuste fiscal e com a necessidade de fazer uma reforma da Previdência. O debate entre eles é mais quanto ao tipo de reforma da Previdência, a velocidade de recuperação do primário, etc. 

Tenho dito a eles que o presidente eleito e sua equipe terão todo o nosso apoio no período de transição. Eles sabem do desafio, e todos eles concordam que o ajuste e as principais reformas terão que ocorrer ainda no primeiro ano do novo governo.