Três analistas da Empiricus, incluindo o sócio-fundador Felipe Miranda, tiveram seu credenciamento suspenso por 30 dias pela Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), a entidade autorreguladora do setor, por conta de emails de marketing que continham promessas de retorno em estratégias de investimento.

Trata-se da primeira punição da Apimec a analistas por conta de material publicitário, numa decisão que começa a desenhar um limite na zona cinzenta entre análise e publicidade trazida à tona pela ascensão da casa de análise independente.

Por unanimidade, o conselho da Apimec decidiu que Miranda, Bruce Barbosa e Gabriel Casonato não poderão “assinar relatórios de análise, e-mails marketing ou qualquer outra comunicação relativa a valores mobiliários” no período de 16 de novembro a 17 de dezembro deste ano. 

O silêncio imposto pela Apimec é uma sanção leve mas dolorosa para uma casa que sempre apostou no barulho na Internet e no personalismo de seus analistas para promover seu produto.

Além de assinar o principal produto da casa, uma newsletter diária gratuita com mais de 2 milhões de assinantes, Miranda é a cara da Empiricus nas redes sociais – onde também não poderá fazer recomendações no período. Bruce Barbosa, autor de uma newsletter periódica sobre ações, também é figurinha carimbada nos vídeos e e-mails marketing da companhia.

A sanção ocorreu por conta de um processo aberto em maio, relativo a três e-mails marketing disparados pela companhia com os títulos: “Double-X, uma maneira totalmente inovadora de ter um lucro potencial de 995,1% em 12 meses”; “A estratégia capaz de transformar R$ 1.500 em R$ 227.000 em apenas um mês”; e “A nova oportunidade de uma vida”.

Para a Apimec, os materiais publicitários ferem o Código de Conduta da entidade e o artigo 3º da Instrução 483/2010 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que rege a atividade de análise de investimentos.

O artigo é curto e genérico e diz que: “O analista de valores mobiliários deve agir com probidade, boa fé e ética profissional, empregando na atividade todo cuidado e diligência esperados de um profissional em sua posição”.

Na decisão, a Apimec grifa frases nos e-mails que fazem arrepiar profissionais mais afeitos à gestão de riscos: “Acredito tanto no método que colocarei em jogo R$ 2.784.000 caso você não receba pelo menos 30 operações vencedoras em 12 meses”. Ou: “Foi a libertação financeira de milhares de pessoas que, sem a oportunidade de uma vida, não colheriam retornos como estes”. E finalmente: “Esses percentuais de lucro são reais e já foram atingidos por quem seguiu a minha primeira recomendação”.

“Os conteúdos dos e-mails marketing enviados pelos representados possuem expressões que oferecem potenciais garantias de retorno, pois neles são descritas operações que foram bem sucedidas no passado, com o objetivo de alcançar novos investidores”, disse o conselheiro-relator da Apimec, Eduardo Boccuzzi.

Na defesa, a Empiricus alegou que os e-mails não trazem recomendações específicas sobre nenhuma ação, a não ser em caráter de exemplo, e que os analistas não são responsáveis pela elaboração dos e-mails marketing.

Na decisão, a Apimec deixou claro que não há essa separação, e que as determinações da Instrução da CVM dizem respeito não só aos relatórios, mas a toda a atuação profissional.

O artigo 9º do Código da Conduta da associação, a que todo analista com um Certificado Nacional de Profissional de Investimento (CNPI) se submete, é claro neste sentido: diz que todas as diretrizes dizem respeito a “qualquer material, escrito ou não, que divulgue a posição do analista, ainda que não seja caracterizado como relatório de análise. Incluem-se, dentre outros, contatos telefônicos, entrevistas e apresentações”.

A alegação da defesa de que os e-mails trazem alertas sobre os riscos das operações também foi rechaçada. Para os conselheiros, esses alertas são feitos de forma muito genérica e os riscos são minimizados.

Em um dos e-mails marketing, o texto do alerta diz: “a estratégia envolve riscos. Embora sejam riscos controláveis, é essencial que você esteja plenamente consciente disso”. E emenda: “Porém, essa mesma estratégia carrega um potencial de multiplicação praticamente infinito. O que você verá a seguir é 100% legal e baseado nas recomendações já enviadas aos assinantes Empiricus”.

Não é a primeira vez que a Apimec acusa a Empiricus por conta do seu marketing – e nem Felipe Miranda. Em 2015, ele e seu sócio Roberto Altenhofen foram acusados de infringir o código profissional por dois e-mails marketing que falavam sobre retornos garantidos.

Mas, na ocasião, eles fecharam um termo de compromisso – um acordo sem confissão de culpa – pagando R$ 7.200 (em três parcelas) para encerrar o processo.

O marketing da Empiricus – que já fatura mais de R$ 200 milhões – também está levando a mudanças na regulação. A CVM abriu uma consulta pública para reformar a Instrução 483, que trata sobre a atividade de análise de investimento, de forma a deixar mais claros os limites para os analistas independentes.

“Quando a 483 foi feita, as principais preocupações eram com os conflitos dos bancos e corretoras, delimitação entre sellside e buyside”, diz um advogado de mercado de capitais. “Agora, tem uma miríade de casas de análise independentes, que estão testando os limites da regulação”.

Entre as sugestões feitas durante a audiência pública, em julho, estão a necessidade de credenciamento da casa de análise (e não apenas dos analistas) junto à Apimec, e delimitações mais específicas sobre como deve ser feita a comunicação via e-mail e redes sociais.

A Empiricus disse que “não concorda com a decisão e vai recorrer”, sem dizer em qual instância. No âmbito da Apimec, não cabem mais recursos.

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